data-filename="retriever" style="width: 100%;">Em 1977, ainda como "normalista" do Instituto de Educação Olavo Bilac, passei a integrar o corpo docente municipal. Posteriormente, ingressei no curso de Direito da UFSM e ocupava meu dia entre a faculdade e o magistério. No último ano do curso, fui nomeada para a rede estadual de ensino, quando me restava livre apenas o turno da noite. Assim, fui lotada na Escola Estadual Gomes Carneiro, que funcionava numa das antigas "brizoletas", passando a trabalhar na alfabetização de adultos.
A turma que assumi era composta por poucos alunos e meu maior desafio era evitar a evasão e manter a atenção de todos, vencendo o cansaço que demonstravam após um dia intenso de trabalho. Muitos eram oriundos da construção civil, empregadas domésticas, donas de casa e adolescentes que não se adaptavam no ensino regular.
Eram diferentes histórias de vida que marcaram minha vida profissional e pessoal, assim como também tinha consciência da minha importância nas suas próprias vidas ao ajudá-los num processo de inserção social e efetiva cidadania.
Lembro da jovem Zulma, trazida do interior por uma família para a função de empregada doméstica. Ela contava suas aventuras e as "fugas" na noite, quando ia para festas, pulando da janela do quarto. Muitas vezes, passei o intervalo aconselhando-a e ouvindo as promessas, nunca cumpridas, de que iria "se comportar".
Também recordo do Marcos, adolescente que vivia de pequenos furtos. De vez em quando, desaparecia por alguns dias, depois voltava, contando e rindo que tinha passado um tempo "descansando forçadamente". Uma vez, revelei para a turma que, eu e meu marido tínhamos comprado nosso primeiro carro e que me preocupava porque ainda não tínhamos uma garagem. Marcos, então, disse que eu não me importasse com isso, porque ele e seus "colegas" respeitavam a propriedade daqueles que lutavam para adquiri-la. Bons tempos...
Porém, minha maior lembrança é a do "Seu" José. Meia idade, pele negra, alto, forte e sempre calado. Nunca soube no que trabalhava, mas, rotineiramente, chegava atrasado e com forte cheiro de fumaça. Sentava-se distante dos colegas e sua maior dificuldade era no manuseio do lápis.
Na época, pelas 22 horas, eu retornava para casa de ônibus. Saía da escola e ia até a parada subindo a rua escura. Sem que eu pedisse, "Seu" José e outro colega passaram a me acompanhar, de forma silenciosa e mantendo uma pequena distância. Aguardavam a chegada do ônibus e só se retiravam quando eu embarcava e partia.
"Seu" José nunca me dirigia, voluntariamente, a palavra, nem me olhava diretamente nos olhos. Mas, uma vez, ele me surpreendeu. De forma sorridente, contou-me que tinha passado a identificar o seu ônibus sem nenhuma ajuda. Conseguia ler a palavra "casa", da linha "Casa de Saúde" e a palavra "boi", da linha "Boi Morto". Esse foi o meu mais significativo momento como professora, que ficou eternizado pelo singelo cartão de Natal que me entregou no final daquele ano. Nele, simplesmente, assinou seu nome. Era o suficiente...